Opinião

Inversão de fluxo e conflito com distribuidoras ameaçam o avanço da geração distribuída

Uma batalha judicial pode estar a caminho caso as distribuidoras continuem invalidando orçamentos de conexão já emitidos para sistemas de geração distribuída

Por Thiago Bao Ribeiro

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A crescente demanda por geração distribuída de energia solar no Brasil tem levado a disputas entre distribuidoras de energia e consumidores que buscam se conectar à rede elétrica. Caso recente analisado pela equipe do Bao Ribeiro Advogados envolve uma distribuidora de Minas Gerais que invalidou um orçamento de conexão emitido para uma CGH que se pretende conectar à sua rede, alegando a inversão do fluxo de energia no sistema.

A distribuidora emitiu um orçamento de conexão para a CGH em 02/03/2023, com prazo de validade de 12 meses, mas no último dia 16 o declarou inválido, alegando que a conexão comprometeria o sistema de distribuição e causaria inversão no fluxo de energia. A invalidação ocorreu após a emissão do orçamento, levantando questões sobre a segurança jurídica do ato jurídico perfeito.

A CGH, em resposta à ação da distribuidora, apresentou uma reclamação, alegando que o orçamento de conexão, uma vez emitido, se torna um ato jurídico perfeito, protegido pela Constituição Federal e pela regulamentação aplicável. A tentativa de invalidar o orçamento após sua emissão viola o princípio da segurança jurídica, garantido pela legislação.

A posição da Aneel

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) emitiu recentemente um ofício conjunto, determinando que outra distribuidora de Minas Gerais cesse toda e qualquer negativa de emissão de orçamento de conexão nos casos que envolvam esgotamento da rede de distribuição e inversão do fluxo de energia. A Agência estabelece que, em nenhuma hipótese, as distribuidoras poderão invalidar orçamentos de conexão já emitidos.

De acordo com a Aneel, nos casos relativos à inversão de fluxo nos sistemas a aplicação dos arts. 73 e 83 da Resolução Normativa n. 1.000 (REN 1.000) deve ser observada para os orçamentos de conexão ainda não emitidos e, em nenhuma hipótese, a distribuidora poderá invalidar orçamentos de conexão já emitidos.

Além disso, o art. 83, §5º da REN 1.000 estabelece que a distribuidora e o consumidor e demais usuários devem cumprir o orçamento de conexão aprovado, que somente pode ser alterado mediante acordo entre as partes. A tentativa da distribuidora de invalidar o parecer de acesso, nesse contexto, constitui uma violação aos termos do regulamento e aos princípios constitucionais.

Com isso, a aplicação dos novos dispositivos da REN 1.000 é possível apenas: (i) nos orçamentos de conexão ainda não emitidos; (ii) nos novos pedidos de conexão; e (iii) no tratamento das reclamações de orçamentos que tenham sido indeferidos ou com conexão alegada inviável pela distribuidora.

Diante desse cenário, a CGH requereu em sua reclamação que a distribuidora reconheça a validade do orçamento de conexão emitido, realize as obras necessárias para a conexão das instalações ao sistema de distribuição e garanta o cumprimento do orçamento aprovado.

A disputa pode ter implicações significativas para a geração distribuída e a energia solar no Brasil, à medida que outros casos semelhantes possam surgir.

O exemplo entre a CGH e a distribuidora destaca os desafios enfrentados pelos consumidores e geradores de energia distribuída e energia solar no Brasil. O recurso será analisado pela distribuidora, mas com o recente Ofício da Aneel repreendendo uma distribuidora pela mesma prática já nos dá uma direção sobre o resultado do julgamento desta demanda.

A busca por uma solução em conformidade com a legislação e a regulamentação vigentes pode ter implicações importantes para o setor e para a ampliação da geração distribuída e do uso de energia solar no país.

Thiago Bao Ribeiro é advogado e sócio do escritório Bao Ribeiro Advogados, com foco em estruturação jurídica de projetos de geração de energia renovável

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